segunda-feira, 17 de novembro de 2008

O lapis de Deus.

O Lápis de Deus.

Por Wallace Requião de Mello e Silva.
Se contemplarmos com desassombro as nossas vidas, percebemos que fizemos muito pouca escolha. Não escolhemos o aspecto físico que temos, o século em que nascemos, os pais que tivemos, o nosso nome e sobrenome; a cidade que nos recebeu; os irmãos que temos, a cor de nossos olhos, o tipo de nosso nariz. Pode-se dizer que recebemos isso graciosamente, para não dizer gratuitamente , cuja palavra, erroneamente, nos dá idéia de algum tipo de pagamento ou dívida. Foi de graça e pela Graça de Deus que recebemos a vida.
Isso me convence que somos uma espécie de instrumentos na mão da Divina Providência. Se você ainda não está bem convencido disso, contemple o seu passado, ou a vida de um parente mais velho e verás que muito de suas vidas foi vivida sem a mínima escolha. Ela foi apenas vivida. Somos instrumentos, enfim, da vida.
Ora, um lápis é um instrumento. Se entregarmos um lápis para um, ele fará poesia. Se entregarmos para outro, ele fará desenhos. Se entregarmos o mesmo lápis para terceiro , ele fará, por exemplo, filosofia. E haverá quem fará porcaria.
Se nossa vida é, como se fosse instrumento, um lápis por exemplo, se a entrego ao diabo, ele fará a obra do diabo. Se a entrego para Deus ele fará a obra de Deus.
Essa é a escolha possível.
Incrível no entanto, que para nos entregarmos a Deus, fazemos restrições de escolha, exigimos a liberdade , temos medo, preguiça e pudor. Mesmo sabendo das promessas de Deus, trememos. Para entregarmos nossas vidas ao diabo, não fazemos exigências, mergulhamos de cabeça, alegarmos que não pudemos escolher, temos ousadia, reincidência, teimosia até. Mesmo sabendo da possibilidade de condenação eterna, escolhemos contra Deus porque achamos que Ele não sabe o que faz. É injusto conosco. Somos orgulhosos, e achamos que sabemos o que merecemos. Nos julgamos capazes de ensinar a Deus, dar-lhe conselhos sobre nós mesmos e sobre os nossos desejos.
Deus nos parece pesado, quando dele ganhamos tudo, e dele dependemos. Ser um lápis de Deus, agindo com ele, e nas mãos dele, dóceis, escreveremos a Obra, a obra de Deus, “a Opus Dei”, e é na verdade, esse o motivo pelo qual fomos criados. A docilidade do instrumento nas mãos do artista (a sua obediência aos desejos do artista) revela da melhor maneira, a arte, o brilho, o propósito e a mensagem do artista criador.
Na primeira Carta de São João lemos que quem diz conhecer a Deus e não guarda os seus Mandamentos é mentiroso e a Verdade não está nele. (1o João 2,1-5a).. Em boa medida ser dócil a Deus é cumprir seus Mandamentos.
Deixa Deus escrever, portanto, a história. Caso contrario teremos que usar a borracha, apagar o traço de nossas vidas, quando não é a própria “borracha do Artista” que nos vêm emendar (apagar).

Wallace Requião de Mello e Silva.
Psicólogo.

Em homenagem póstuma à minha tia Luiza Requião, pianista, narradora de causos edificantes cujas imagens narradas, vivas, víamos como que refletidas em espelho nos seus imensos olhos azuis, algumas vezes, raras vezes, ocultados pelo seu nariz de feiticeira. Em particular lembro, uma das suas melhores narrativas, inspiração do texto acima, sempre contadas nas frias noites; sob voz sussurrante cheirando a café quente, quando possível, ao pé da cama de sobrinhos deslumbrados, ou ao piano, hipnotizados pela “luz azul” de seus olhos penetrantes, ate sobrevir o encontro fortuito com o sono fugidio e o sonho vivido a cores na profundidade da mente: “O lápis amarelo”.

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