segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

O calo profissional.

Requião e o “Calo Profissional”. (escrito quando o Requião exercia o Senado)

Alguém reclamou da insensibilidade de Requião às farpas internas do PMDB. Outro reclamou das grosserias de Requião. Interessante essa fama de insensibilidade que pesa sobre o nosso Senador.
Ana Freud foi me parece, quem mais estudou os mecanismos de defesa do Ego. Antes dela Blaise Pascal, filósofo de intuição profunda já dizia no mesmo sentido: “o excesso de luz cega”. O excesso, qualquer excesso, de luz, de som, de prazer, lesa, machuca violenta. O conceito expresso em excesso já denuncia a sua inadequação, algo que transborda que é excessivo. Assim tampamos o ouvido com as mãos para proteger a integridade de nossos ouvidos, cerramos as pálpebras para defender os nossos olhos e nos defendemos com reflexos rapidíssimos de quase tudo que possa nos agredir. Como vemos, a verdade é que defendemos o arcabouço psicológico e também a integridade do corpo como muito bem nos faz notar José Ângelo Gaiarça em sua obra: “O que é o corpo”. O Corpo esse grande e desconhecido lar íntimo.
Mas no exercício da vida e das profissões, e profissão nada mais é do que a vida exercida de forma aplicada a uma ou algumas atividades especializadas, portanto, neste exercício, movemos todos os mecanismos de proteção, físicos ou psicológicos, seja em sutis mecanismos reflexos, interiores ou exteriores, e por esse meio procuramos preservar-nos.
Não me recordo agora o nome, mas nos primórdios da ciência psicológica, alguém publicou uma explanação sobre a primeira teoria da especialização seletiva dos sentidos e a diminuição da sensibilidade pelo “Calo Profissional”. O autor havia descoberto pela observação dos calos nas mãos de marceneiros e concluía que era uma adaptação de defesa que lhe permitia o exercício da profissão. Se sua mão fosse sempre frágil, as farpas e ranhuras da madeira e o uso das ferramentas, deixaria suas mãos com bolhas e machucados que lhe impediriam o exercício pleno de sua arte. Perde o marceneiro um tipo de sensibilidade para poder exercitar a sensibilidade criativa de sua arte. Esta especialização seletiva, ou adaptação seletiva dos sentidos estão enraizadas nos mecanismos de defesa mais primitivos e profundos chegando mesmo a determinar a escolha das profissões, ou seja, esse sutil amalgama de especializações profundas orienta as habilitações, os dons, as “vocações “profissionais e os estilos de vida, não só os mecanismos neuróticos como já se pensou.
As queixas feitas contra um político, um homem público, se vêm de seus inimigos não devem ser consideradas, enfim são inimigos. Agora se vêm dos amigos elas devem ser consideradas, porque os amigos (palavra que deriva de algum grau de amor ou admiração) idealizam as pessoas que admiram, e se frustram com a menor das grosserias ou desatenções. O homem público que nos representa, deve, na forma idealizada, nos representar, ou seja, ser uma espécie de espelho de nossas necessidades, mas sobre tudo, e isso poucos admitem, deve ser “como nós queremos que seja”: um representante de nossas fantasias idealizadas.
Pode ser que um sargento queira de um general um afago, um elogio, uma atenção especial. Mas parece ser um contra senso imaginar um general mimando os seus soldados. Igualmente se um político sai da esfera do exercício da contemporização entre interesses para o enfrentamento de interesses, age como um chefe, como um líder em batalha, como um general em guerra e esperar assim dele amenidades, gentilezas, atenções, é mergulhar de cabeça no campo das idealizações, é como imaginar-se as figuras paternas sem erros, sem enganos, sem punições ou pequenas injustiças e esvazia-las de autoridade real substituindo-as por uma figura mítica perfeita e impoluta.
As grosserias de Requião são o “Calo Profissional” que o permite sobreviver no exercício da política combativa. No exercício do enfrentamento. Também o marceneiro se lamenta vez ou outra do aspecto de suas mãos, também ele quereria ter mãos delicadas. Consola-se quando admira o resultado de seu trabalho artezanal.
O político com coragem para enfrentar, também sente falta do afeto, das gentilezas, das finezas do cotidiano, porém haverá de se consolar ao contemplar o resultado de seu trabalho, enfrentando interesses vorazes para minorar o sofrimento de massas injustiçadas, e por vezes massacradas.Se a grosseria é compensada com uma obra social digna, ela deve ser descontada no contexto.
Uma questão a ser considerada pelos sensíveis. Toquem as mãos dos pedreiros que executam os vossos projetos, as mãos das pessoas que fazem o seu alimento, as mãos dos que limpam os vossos banheiros, dos que cavam a terra para colocar à vossas disposições as riquezas, o petróleo, o carvão, o minério, o luxo. Por detrás dos calos encontrareis pessoas sensíveis e invariavelmente humilhadas.
Wallace Requião de Mello e Silva

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