G-23 é filho indireto da nova política Sul-SulPor CLÓVIS ROSSI 21/09/2003 às 12:31
Colunista da Folha de S.Paulo
Exceto para os poucos brasileiros que acompanham, de perto ou de longe, as complexas negociações comerciais que se desenrolam em Genebra, QG da Organização Mundial do Comércio, pode ter ficado a impressão de que, de repente, surgiu nas areias do balneário mexicano de Cancún um grupo de 20 países, liderados pelo Brasil, dispostos a se opor à agenda dos ricos. Falsa impressão, como é óbvio. O que acabou sendo o G-23 é a culminação de um processo de aproximação do Brasil com um conjunto de países em desenvolvimento. Aproximação que já vinha do governo anterior mas ganhou notável velocidade depois da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No caso específico da Conferência Ministerial de Cancún, o estopim para a criação do que viria a ser o G-23 tem a seguinte ordem cronológica. 1 - No final de julho, um grupo de 25 países da OMC reúne-se em Montreal, numa miniministerial destinada a tentar desbloquear as negociações da chamada Agenda Doha de Desenvolvimento, lançada em 2001 na capital do Qatar. A única decisão concreta de Montreal foi o pedido coletivo para que União Européia e Estados Unidos tentassem se entender e apresentassem uma proposta para a negociação da área agrícola, o grande nó da Rodada Doha. O pedido tinha um motivo óbvio: são as duas grandes usinas econômicas e comerciais do planeta e delas depende, em consequência, qualquer avanço (ou bloqueio) nas negociações. 2 - Os dois grandes de fato se entenderam, mas produziram um documento que os países interessados na liberalização do comércio agrícola consideraram quase insultuoso, tal a timidez na abertura proposta. "Se o documento ficar como está, não há como avançar", reagiu imediatamente o chanceler Celso Amorim. Em Genebra, o chefe da missão brasileira, embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa, sentiu ambiente favorável para uma mexida inédita: costurar uma coalizão de países em desenvolvimento, mesmo com diferentes interesses em matéria agrícola, para formular uma proposta alternativa, técnica e não-doutrinária (pobres x ricos). Amorim deu total apoio, e nasceu o grupo que, ao final da reunião de Cancún, já agrupava 23 países. Antecedentes Mas essa história recente fica incompleta sem os lances que a precederam e ajudaram a criar um ambiente de cooperação entre os grandes países do Sul (Argentina, China, Índia, África do Sul, entre outros). O governo Lula deu mais velocidade ao processo de aproximação com os emergentes do Sul. Com a China, para ficar só em um exemplo, mas bastante concreto, as trocas comerciais aumentaram tanto entre os dois países neste ano que o país asiático passou a ser o segundo maior mercado para o Brasil, atrás apenas dos Estados Unidos. Só nos primeiros cinco meses do ano, o Brasil exportou US$ 1,74 bilhão para a China em produtos, mais que o volume total do ano 2000 (US$ 1,085 bilhão). Com a Índia, foi assinado na Cúpula do Mercosul realizada em junho em Assunção um acordo-marco "com o objetivo de estabelecer regras claras, previsíveis e duradouras para estimular o desenvolvimento do comércio e dos investimentos recíprocos". Com a África do Sul, pouco antes da cúpula de Cancún, o governo brasileiro deu um passo mais na construção de uma área de livre comércio. Trilateral do Sul Entre os três países (Brasil, Índia e África do Sul) já houve uma reunião conjunta para discutir o que, nos corredores do Itamaraty, se chamou de Trilateral do Sul. Com a Argentina, apesar dos mal-entendidos em torno da renegociação do acordo do vizinho com o FMI (Fundo Monetário Internacional), o fato é que os governos Lula e Néstor Kirchner buscam fortalecer o que ambos chamam de "relação estratégica". Havia, portanto, todo um novo relacionamento pavimentando o caminho para a criação de um grupo que defendesse os interesses conjuntos nas negociações agrícolas da OMC. Para fechar o círculo, o governo brasileiro aceitou ceder em suas propostas de liberalização agrícola, de forma a atender a Índia, que é muito mais protecionista e não tem a menor intenção de abrir sua agricultura. O futuro das negociações Por isso, a proposta do G-20 (agora G-23) jogava todo o peso da liberalização agrícola nos países ricos. Tem uma lógica: só os países ricos têm Tesouros suficientemente abastecidos para subsidiar seus agricultores com a pilha de US$ 1 bilhão por dia. Mas teve também um inconveniente: permitiu que tanto Estados Unidos como União Européia acusassem o novo bloco de defender a abertura dos mercados alheios, sem, no entanto, ceder nos seus próprios mercados. Essa batalha ficou suspensa na reunião de Cancún, mas vai ressurgir logo mais quando se fizer a conferência ministerial da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), em novembro em Miami, ou quando houver nova reunião entre União Européia e Mercosul (outubro em Bruxelas). www.psicologiadocaboaoarabo.blogspot.com
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