Cidades Imaginárias do Brasil.
Wallace Requião de Mello e Silva.
Logo depois de ter escrito e enviado aos jornais um artigo titulado “Tribo Negra Pré-colombiana”, caiu em minhas mãos o livro de Joanni Langer, “As Cidades Imaginárias do Brasil” editado pela Secretaria de Estado da Cultura. Livro erudito, de autor paranaense que deve ser lido[1].
Não há duvida que seja um texto muito interessante, mas é, a meu ver, influenciado pela leitura psicoanalitica da história, que tenta, também no meu entender, desistimular a esperança arqueológica e a solidez da interpretação do passado, ou no mínimo, enquadrar a arqueologia, enquanto ciência, no discurso psicoanalitico – “mítico e projetivo”, o que é absolutamente estéril, pois reduz o mito, a lenda, base inicial da procura arqueológica a uma exteriorização do desejo individual ou coletivo, como se fora uma fumaça. Cria um conflito entre mito e realidade, relativizando a verdade histórica, o que é péssimo, sobretudo para o estudo religioso. Na verdade esse foi o grande engodo de Freud. O consciente é o mito do inconsciente. O texto fruto de pesquisa em rica e variada bibliografia, despreza, em favor da hipótese levantada pelo autor, a realidade concreta da ciência histórica e arqueológica, fazendo mergulhar a saudável curiosidade humana pelo passado em um relativismo de imagens construídas mentalmente. Isso faz a destruição ou demolição intelectual do contexto dos fragmentos do passado. É uma demolição proposital do passado, para enxertar no presente, agora sim, um novo mito coletivo, o império do símbolo, (a linguagem psicoanalítica) a negação da base história e da fonte dos valores morais humanos.
Bastaria para desmascarar o texto, na sua intenção mais profunda, o estudo arqueológico dos povos de Guairá, hoje reduzidos a ruínas ou soterrados e destruídos pela natureza ou pelo trabalho ambicioso dos homens conforme, muito melhor do que eu pode nos falar Igor Chmyz ou a historiadora Chirtina Kluppel ambos da UFPR. Das treze “míticas” reduções, e vilas espanholas construídas no Paraná, foram encontradas até hoje apenas três vilas espanholas em solo paranaense, e duas reduções jesuíticas. E se persistir a situação atual, poderemos perdê-las para sempre, Restarão apenas os registros escritos. Há muito por fazer. Muita história para revelar ou comprovar.
Poderá parecer ao homem moderno que o passado já esta revelado e que não há mais nada de novo a descobrir, mas vejam que em 17 de agosto de 2004, no Estadão lemos: “Novas ruínas são descobertas na proximidade de Lima no Peru a 2800 metros de altura. Uma área de 90 Km quadrados (1/3 do município de Curitiba) de rico sitio arqueológico composto por torres, muralhas, praças e aquedutos, que se supõem representativos da cultura chachapoya”. É surpreendente.
Mais do que isso, o mito (a história imaginada) da cidade bíblica, a mítica UR da Caldeia de onde teria vindo Abraão, perdida no tempo, permitiu pelo “mito bíblico” a sua localização arqueológica precisa no ano de 1946, por Wooley, ou o Império do rei Mari e sua biblioteca cuneiforme, também descrito na bíblia, descoberto pelo tenente francês Cabane em 1933 quando construía uma estrada de ferro, revelam que ainda há muito mistério arqueológico a ser revelado. O mito (a imaginação dos relatos espanhóis e índios) da cidade proibida do Inca permitiu a descoberta de Machu Picchu, pelo professor Hiran Binghan em 1911 nos Andes. Hoje, arqueólogos italianos descobrem outra civilização enterrada no deserto de Nazca, seguindo pacientemente o mito de um túmulo “inventado” com suas ricas múmias e seus objetos de ouro ou prata, que lá estaria e que lá estava, era verdadeiro, soterrado e concreto. Sim, em Nazca no Peru para quem quiser ver.
Nazca palavra que quer dizer “Origem” ou “Nascimento”, abrindo novas e revolucionarias teses sobre as populações pré-colombianas na América e o seu surgimento antropológico. Eu tive a oportunidade de ir visitar as ruínas em 1988 e também o museu das múmias, que estavam soterradas abaixo de outro tesouro e mistério arqueológico, as linhas e desenhos gigantes de Nasca.
A maior pirâmide do mundo estava também soterrada sobre um Mosteiro Cristão, e todos imaginavam que era uma montanha natural a sua base, e nem, por meio de fotos de satélite teria sido encontrada, não fosse a perseguição perseverante e fantasiosa de um mito, perseguido com diligência por um frei, considerado transloucado.
Copan, a cidade perdida Maia, em Honduras na América Central, foi encontrada, seguindo-se uma lenda indígena. Da mesma forma o “Império Perdido de Angkor Vat” no Cambodja, descoberto pelo caçador de borboletas Henri Mouhout em 1861 foram assim encontradas. Surpreendente.
A epopéia de Thor Heyerdal na ilha da Páscoa em 1950 não foge à regra. As “Ricas Portas de Ishtar” a cidade mítica (lendária), da mesma forma foram encontradas por Koldwey na Babilônia, que viu no mito uma base concreta. Onde há fumaça há fogo, se diz popularmente. A descoberta das dágoras do Ceilão e as ruínas da Mesquita chinesa de Uzbequistão e a estrada dourada de Samarcanda pareciam ser balela, fumaça. Keller em “A Biblia Tinha Razão” nos relata muitas dessas descobertas fundadas na pesquisa de mitos como, por exemplo, a descoberta arqueológica de Jaran e Nejor cidades bíblicas citadas em Gênesis 11, 31 e Gênesis 24, 10 respectivamente. Keller parece nos dizer: “Onde há fumaça há fogo, vale a pena procurar”. Assim foi também na história registrada das descobertas do petróleo.
Do mesmo modo Kaj Birket- Smith nos introduz em um mundo de informações curiosas sobre as ruínas americanas, maias, incas e astecas em seu livro “Historia da Cultura”. Como vemos muitos viajantes antigos devem ter conhecido e testemunhado verbal ou por escrito esses lugares e narrado com imprecisão cientifica ou geográfica esse lugares fantásticos, que podiam parecer, para muitos, invenções. “Estórias de pescador”. Assim foi com Marco Polo, desacreditado, ou Monteiro Lobato. Acusado de mentiroso sobre a existência do petróleo no Brasil.
Mas e as ruínas brasileiras?
Quanto aos mitos de cidades perdidas no Brasil, haveremos de ler o livro de Joanni Langer, e dele copilar a lista de noticias, as pistas, como base inicial e montar pacientemente, ao menos como inicio de investigação, o quebra cabeça histórico, montando um mosaico comparativo e sinóptico, de modo a fazer voar a imaginação e motivar a descoberta concreta, revelando o escondido pelo tempo.
Eldorado; Maiandena a cidade submersa; a cidade abandonada da Bahia; o Império Amazônico de Raleigh; Atlântida na selva, o mito de Fawcet e tantas cidades e noticia histórica como a tribo negra do capitão espanhol que viajava com Cabeza de Vaca, no sul do Brasil, e outras inúmeras possibilidades e estímulo para a leitura e pesquisa de campo.
É um bom começo, para os arqueólogos de fim de semana.
E não esqueça a maioria das descobertas arqueológicas, não acidentais, começaram nas bibliotecas, trabalho paciente de pessoas reordenado fragmentos encontrados em livros. Mitos “imaginários” que se revelaram realidades monumentais.
Wallace Requião de Mello e Silva.
[1] As Cidades Imaginárias do Brasil, Joanni Langer; Secretaria de Estado da Cultura. 1997.
segunda-feira, 17 de novembro de 2008
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